quinta-feira, outubro 27, 2011

Comboio dos Surumbáticos

- "Próxima Paragem - Despertar..."
Durante a semana, desloco-me para o trabalho usando o comboio.
Para me entreter nos 10 minutos de caminho, por vezes levo algo para ler, outras vezes simplesmente fico a olhar à minha volta - espreito pela janela na esperança de ver algo novo e olho para os cartazes publicitários a tentar perceber o que impingem, mas são as pessoas que mais me fascinam.
Gosto de observá-las e tentar perceber o que vai na suas ideia; gosto de olhar também os olhos e tentar perceber o que transmitem. No olhar conseguimos perceber muitas coisas. Os olhos expressam alegria, tristeza, solidão, preocupação, desejo, entre muitos outros sentimentos...

Os olhos são o espelho da alma...

Mas naquela manhã, naquele comboio, algo se passava...só sentia o silêncio dos olhares que nada diziam. De fundo, conseguia ouvir os sons característicos de um comboio em movimento...Como o olhar das pessoas estava profundamente vazio, tais robõs autênticos que se deslocam para o trabalho, sem vislumbrarem quem os rodeia, sem conversarem, sem sentimento de alegria.
Em parte fiquei aflito, por outro lado, tentei idealizar as razões para tal desconcerto.

Surgem as questões

O que se passa com o Homem?
O que é feito da nossa componente social? Porque não interagimos com os estranhos? Aliás, o conceito "estranho" faz algum sentido? Afinal, um estranho é só alguém que ainda não conhecemos...mas eu tenho a sensação que as pessoas no geral associam a algo diferente. Recusam-se a interagir para não sair da sua "zona de conforto", para não se arriscarem a conhecer alguém que as possa perturbar.
Mas vejamos mais - quantas daquelas pessoas se deslocam de manhã para um trabalho que mal dá para se alimentarem durante um mês? Acredito que isso seja também uma grande razão para esvaziar aqueles olhares...

E o medo? As pessoas também vivem com medo!...apesar de muita gente achar que não, mas o medo condiciona-nos de uma forma inimaginável e está presente em muitas ocasiões do nosso dia-a-dia... Aquela viagem, foi só mais um exemplo disso.

E então apercebi-me, após breve reflexão, que não me encontrava num comboio, mas sim num campo de batalha. Numa batalha onde cada um se defende a si mesmo, onde expressar um sorriso ou cumprimentar um desconhecido pode significar a invasão do nosso espaço. É triste, mas é o que parece...

E o pior, é que fazemos tudo inconscientemente...mas andam a preparar-nos para isto à muito tempo; uma multidão separada, sem laços, é muito mais fácil de controlar. As elites têm os planos em marcha à bastante tempo e aquelas pessoas são apenas mais uns peões no tabuleiros.

Por isso tudo e muito mais, eu sorrio. Mostrando que estou tranquilo e em paz, para além de disposto a fazer tréguas com quem estiver cansado desta monotonia no comboio dos surumbáticos.

terça-feira, outubro 11, 2011

Helicópteros - I parte

Há quem diga que o melhor amigo do Homem é o cão. Eu digo que o melhor do amigo do político é o helicóptero. Este artigo é dividido em três capítulos e tentará demonstrar como verdadeira esta estranha afirmação. Peço desculpa pela extensão de cada capítulo, mas penso que é bom para o leitor ter um contexto mais abrangente.

ARGENTINA 2001

A crise argentina de 2001 é o melhor exemplo do impacto social, político e económico que uma crise financeira pode ter numa sociedade.

Anos 80

Vários fatores fizeram com que nos anos 80 com que o aumento do déficit e dívida pública atingissem níveis insustentáveis:
  • Falência de imensas empresas - mais de 400.000;
  • Ordenados em queda;
  • Inflação fora de controlo - durante 1975 e 1988 crescia em média 220% ao ano;
  • Pagamento de dívidas relacionadas com a guerra das ilhas Falkland (1982) contra a Inglaterra;
  • Elevada evasão fiscal e elevados níveis de corrupção;
  • Maioria dos empréstimos ao Estado foram feitos em dólares Americanos, o que fez com que cada vez fossem mais difíceis de pagar devido à constante depreciação do peso argentino.

Transição para os anos 90

Nos anos seguintes, o peso Argentino (doravante peso) sofreu terríveis subidas de inflação (chegou a subir 200% num mês) e em 1991, uma das formas que o Banco Central Argentino arranjou para estabilizar a própria moeda, passou por fixar o peso em 1 dólar Americano (doravante dólar). Esta taxa fixa fez com que se cambiasse diretamente dólares por pesos, estando as duas moedas em circulação pela Argentina. As caixas multibanco solicitavam tanto dólares como pesos e os bancos faziam empréstimos em ambas as moedas. Esta medida conseguiu reduzir o problema da inflação, que em 1990 era de 1300%, para 84% em 1991. Em 1993 era menor que 10% e, durante poucos anos, chegou-se mesmo a ter crescimento económico e a confiança na Argentina voltou a subir. A criação da Mercosur em 1991 também contribuiu para que as trocas comerciais entre países da América do Sul crescessem (especialmente com o vizinho Brasil). Houve um extenso programa de privatizações e de reformas estruturais no mercado de trabalho. Estas decisões de liberalização do mercado na Argentina foram implementadas sobre a supervisão do IMF (International Monetary Fund - Fundo Monetário Internacional) e do World Bank (Banco Mundial).


Os bons indicadores iniciais mascaravam um problema

Com o dólar a valorizar nos anos 90, fez com que, por associação, o peso também valorizasse, tendo um grande impacto nas exportações argentinas. Com uma moeda mais forte, as importações aumentaram fazendo com que a indústria argentina fosse lentamente perdendo protagonismo. Não esquecer que a Argentina exporta maioritariamente para os países Sul Americanos e Europeus - países cujas moedas na altura perdiam terreno face ao dólar. Isto fez com que o estado argentino tivesse que aumentar a necessidade de emitir mais dívida pública o que fez com que o déficit continuasse a subir. Neste período o desemprego voltou a aumentar tendo chegado a atingir os 18%.

Crise voltou no final dos anos 90

Por volta de 1999 os dados económicos da Argentina foram-se agravando, e como tal, consequências de natureza especulativa no mercado foram prejudicando ainda mais as finanças argentinas.
- "Arranjas-me uns trocos?"
Para combater a crise, o IMF “recomendou” que se efetuassem cortes drásticos na despesa do Estado. (Hum, onde é que já vimos isto?...) Estes cortes afetaram penosamente os ordenados e pensões dos funcionários públicos (e não só), desencadeando, obviamente, um aumento insustentável de subsídios de desemprego.
Não menos importante foi o aconselhamento desta entidade para que se mantivesse o peso argentino fixado no dólar. Convém não ignorar a a extensão das privatizações das boas empresas públicas para que se pudesse encurtar a dívida soberana. Traduzindo por miúdos – alienação dos dividendos das empresas públicas por investidores estrangeiros.

Quando o problema financeiro passa a problema social…

Naturalmente, os argentinos começaram a trocar os seus pesos por dólares, pois a descrença na sua economia ia aumentando. Para combater esta tendência, o governo limitou os levantamentos a 250US$ por mês e congelou as contas pessoais.

Com os preços a subirem, a crescente incerteza no emprego, o limitado acesso a dinheiro e uma subida na taxa de habitantes em condições de pobreza extrema, fez com que o povo ficasse cada vez mais esmagado e com reduzida margem de manobra. Como esperado, com o agravar da crise económico-financeira, os motins nas ruas de Buenos Aires foram ganhando dimensão.


No dia 19 de Dezembro (2001), os protestos contra o governo tornaram-se violentos e viraram motins;
Confrontos entre locais e polícia agravaram e lojas começaram a ser pilhadas;
Confrontos entre os que pilhavam e os respectivos donos das lojas ceifaram algumas dezenas de vidas. Nesse mesmo dia, estado de emergência foi declarado pelo presidente.

Helicóptero maravilha salva o dia

No dia 20 de Dezembro de 2001, aquilo que tinha começado como um protesto de desempregados e de militantes de partidos de esquerda, estendeu-se à classe média, o que ajudou a tornar a situação insustentável para o presidente. Numa tentativa de apaziguamento, o presidente argentino, Fernando de la Rua, chegou a demitir o ministro da Economia, mas tal demonstrou ser infrutífero pois os protestos não diminuíram. Ao presidente só restou uma solução - abandonar o cargo. Tal tarefa não foi fácil, pois o presidente demissionário após ter entregue a sua demissão ao Congresso, viu-se obrigado a evacuar da residência presidencial, a Casa Rosada, num simpático helicóptero para evitar consequências físicas...

Pergunto-me: Como terá sido, 5 dias depois, o Natal para milhões de crianças argentinas?...

II Parte: Helicóptero avistado no Equador (em breve)

nota: Não discuti os anos subsequentes propositadamente pois o objectivo era escrever sobre o que antecedeu a revolução de 2011. A queda abrupta do PIB em 2002, a expulsão do FMI da Argentina, as medidas de Nestor Kirchner e o respectivo crescimento acentuado do PIB argentino nos últimos anos darão um bom artigo para o futuro.


Fontes:
Wikipedia
The Economist
UCATLAS
IMF
FPC

domingo, outubro 09, 2011

O Culto do Corpo

Atualmente, o corpo é visto como nosso cartão de visita em muitos locais e perante muitas pessoas, servindo muita vezes de pré-julgamento ainda antes mesmo das pessoas mostrarem o que realmente são no seu íntimo.
- "Sim, já me chamaram gorda..."

Se és gordo, é porque passas a vida a comer; se não és musculado é porque és fraco; se não tens peito, saíste ao teu pai e assim por diante...Ligas a televisão, todos te dizem que tens de emagrecer, vês publicidade na rua e dizem-te para comer fast-food...

Eu não coloco as culpas todas nas pessoas, nem nas corporações que exaltam e exploram a nossa veia consumista, brincando com as nossas emoções; coloco as responsabilidades em ambos.

Existem duas posições distintas:

  • No lado das Corporações temos o seu jogo com os nossos sentimentos. Rotulam as pessoas com grupos e modas, fazendo-te sentir mal porque não és igual aos outros. Porque não és magro, porque não "vestes isto ou aquilo", porque não tens objeto x.
  • No lado dos Indivíduos, temos a estagnação mental. As pessoas caiem na armadilha de seguirem as modas. As pessoas é que dão o golpe final do plano arquitetado pelo marketing, pois compram o que não precisam e perpetram os sentimentos passados pelos anúncios. Passando a desgostar de quem não é como lhes 'ensinaram' na TV ou na revista.

- "Não percebo como é que eles conseguem ser tão magros na TV..."

- E porque será que as pessoas fazem isso?

Porque as pessoas estão vazias...
As pessoas estão vazias de sabedoria, de Amor, de fraternidade, de igualdade... Ao invés disso, estão cheias de telenovelas, estão cheias do futebol, cheias de mal-dicência...
...cheias de Insegurança e Solidão.

Portanto, para combaterem a sua insegurança e falta de auto-estima têm de estar na moda, na moda imposta pelos media, para que se possam sentir inseridos num grupo.

Vejamos o ciclo vicioso das modas e deste culto do corpo do ponto de vista dos media:
  • Consome! Consome como se hoje fosse o teu último dia de vida, come, bebe e gasta à vontade;
  • Afinal à outro dia: andaste em excessos, tens de te meter na linha, vai ao ginásio, vai comprar a roupa da moda, vai comprar 'as coisas' (inúteis) da moda - mas no final do dia, não te esqueças que hoje é o último dia da tua vida, portanto, consome, consome porque far-te-á sentir melhor.
- "Eu antes usava calções."

Vejamos agora como na minha perspectiva eu vejo este ciclo:
  • Enche-te de inutilidades quer materiais quer intelectuais;
  • Não consegues inserir-te num círculo, pois não consegues dialogar, dizer algo construtivo, pois a tua educação (TV) não te ajuda em nada;
  • Para colmatar esse problema, mudas o teu exterior, colocando-te na moda, na esperança de seres inserido num grupo, catalogado como alguém 'in'.

Esta reflexão, é um ponto de vista, como tal, não é uma regra, pois conheço quem goste de andar na moda, mas ao mesmo tempos são pessoas que se preocupam em cuidar de igual forma do seu intelecto, mas infelizmente não são muitos nestas condições.

Devemos cuidar de nós?
Sim, sem dúvida, mas cuidar de nós é cuidar da nossa saúde. Acho que o problema está na forma como as pessoas analisam o problema - não devemos ir ao extremos e devemos equilibrar corpo e mente, sempre. Eis duas perspectivas bem distintas de olhar para a mesma coisa:
  • Sou gordo, tenho de emagrecer porque sou feio;
  • Sou gordo, tenho de ter cuidado com as doenças cardiovasculares, logo, terei de perder peso para diminuir esse risco.

Acho que me fiz entender...

quinta-feira, outubro 06, 2011

A Verdade

Eu não sou dono da verdade,

na realidade, ninguém é dono da verdade. A verdade apenas o é simplesmente enquanto não for desmentida e dura tanto tempo quanto o tempo que permanece como sendo verdade.

Mas não só, a verdade, apenas o é - uma verdade - enquanto houver quem nela acredite e a dissemine. Desta forma, mesmo que a verdade seja claramente desmentida, esta continua a ser verdade para quem não admite a sua refutação.

Como posso então definir "a Verdade"?
É uma ideia, cuja origem não importa, mas que foi aceite e disseminada por um grupo de indivíduos durante um período de tempo (que pode ainda não ter terminado).

Certo, até aqui parece-me tudo bem.

Mas e o que acontece quando a nossa verdade é refutada/desmentida?
  • Há quem não aceite e permaneça fiel a seu princípio;
  • Há quem nem pense duas vezes e de imediato adopta o novo conceito;
  • E há o meio-termo, o equilíbrio...
...pois é no equilíbrio que nos devemos manter: não ser comodista nem radical, mas ser sim um ser pensante.
Na dúvida, mais vale escolher o bem.

Quem muda de ideias sem refletir um pouco?
Infelizmente, muita gente...

A nossa sociedade é enganada constantemente com verdades que apenas duram meses, dias e até mesmo horas, basta para isso ligarmos a televisão e vemos notícias correrem num dia com uma forma, e no dia seguinte já adotaram outra forma e as pessoas acreditam e pronto...não pensam, não relacionam os pontos, não investigam um pouco.



O mesmo se sucede com o atual sistema económico - o tal que está falido e é obsoleto - muitos fazem querer que é assim que deve ser, pois não existe melhor do que o que vivemos atualmente. Mas eu analiso os fatos e vejo que nunca houve tanta exclusão social como agora, as coisas estão a ser levadas para os extremos. Cada vez mais pobreza, a surgir de forma desmesurada, sem ninguém colocar um travão em tudo isto.

Este Capitalismo Parasitário tira proveito d'A Verdade. Espalha a verdade nos anúncios de TV, nas modas, nos media...e todos consomem as suas ideias como se fossem a verdadeira realidade.

Mas não é...

...pelo menos para mim.