Ainda ensonado relembras o sonho que ainda agora vivias, mas que já parece tão distante.
Colocas os pés no chão, a tentar encontrar os chinelos...o contacto com tapete fofo faz-te pensar como é bom acordar assim.
Cantarolas aquela música enquanto tomas banho; vestes-te, tomas o pequeno-almoço...
Sais para trabalhar, hoje vais de comboio - é um dia diferente, como uma homenagem ao ambiente: ontem viste aquele programa televisivo que alertava para as elevadas emissões de CO2 nas cidades e decidiste ir de comboio.
As pessoas vão caladas, atoladas, cada uma com a sua forma e feitio, mas todas vão ao mesmo...todas vão trabalhar ou estudar. Nesta altura do ano são poucos os que estão de férias e vão até à praia naquele comboio.
O trabalho não é fácil. Está tudo muito difícil por lá...mas tu tens poucas responsabilidades, afinal, o teu trabalho é bastante patético, simples e quase inútil. Mas dá-te o pão que comes todos os dias e o abrigo que te protege da intempérie.
No regresso a casa, vais procurar o carro - já nem te lembravas que tinhas vindo de comboio - "Que porcaria!..."
Em casa és invadido pela publicidade no correio, na TV e ouves aquelas notícias da tal guerra que começou lá naquele país onde eles são todos malucos. "Coitados!" - pensas tu...e mudas de canal. "Olha, está a dar aquele programa." - e que te faz esquecer o teu sonho de hoje.
Que te faz esquecer o mendigo que viste no comboio, o sem-abrigo que dorme na escadaria do teu prédio e aquela guerra chata que eles se fartam de falar na televisão.
Esqueces essas coisas; nem te questionas porque elas acontecem...
Esqueces essas coisas, porque afinal elas até são normais - sempre estiveram ali.
Já nem te lembras porque foste trabalhar de manhã, aliás, nem te lembras porque trabalhas sequer...assim de repente pensas que seja pelo dinheiro, para pagares as tuas coisas. Mas não fazes caso...
...e voltas à tua sala, àquele programa de TV divertido, que te poupa dores de cabeça e não te obriga a pensar muito - afinal, é o fim de um dia de trabalho.
E aquele sonho?
...lembro-me vagamente das flores e do campo, de correr com ela de braço dado...mas nada mais. Já foi à muito tempo, é irrelevante.
"Never again will you be capable of ordinary human feeling. Everything will be dead inside you. Never again will you be capable of love, or friendship, or joy of living, or laughter, or curiosity, or courage, or integrity. You will be hollow. We shall squeeze you empty and then we shall fill you with ourselves." - George Orwell in Nineteen Eighty-Four
2 comentários:
Muito bem :) Deita isso tudo cá para fora, para ver se voltas a correr feliz para mim ao final do dia!
Gostei muito da tua "mensagem"... Leva-nos a reflectir na forma em como somos influenciados e manipulados na nossa vida. É triste mas somos como verdadeiras "peças" manipuladas à mercê de alguém... Está na hora de mudar!
Concordo e acrescento que ,trabalhamos prestando serviços a eles,em troca de produtos e serviços que eles nos impõem hipnoticamente,para nos deixar confortáveis e "alienados".O que seria,se todo o mundo voltasse às antigas origens de caça,agricultura e tecelagem,para ter o próprio consumo,vivendo em comunidade com sistema de trocas ,sem depender "deles".Talvez este tipo de sociedade fosse dizimada rapidamente.Existem algumas,mas pequenas e de difícil acesso,quase imperceptíveis.
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