terça-feira, outubro 11, 2011

Helicópteros - I parte

Há quem diga que o melhor amigo do Homem é o cão. Eu digo que o melhor do amigo do político é o helicóptero. Este artigo é dividido em três capítulos e tentará demonstrar como verdadeira esta estranha afirmação. Peço desculpa pela extensão de cada capítulo, mas penso que é bom para o leitor ter um contexto mais abrangente.

ARGENTINA 2001

A crise argentina de 2001 é o melhor exemplo do impacto social, político e económico que uma crise financeira pode ter numa sociedade.

Anos 80

Vários fatores fizeram com que nos anos 80 com que o aumento do déficit e dívida pública atingissem níveis insustentáveis:
  • Falência de imensas empresas - mais de 400.000;
  • Ordenados em queda;
  • Inflação fora de controlo - durante 1975 e 1988 crescia em média 220% ao ano;
  • Pagamento de dívidas relacionadas com a guerra das ilhas Falkland (1982) contra a Inglaterra;
  • Elevada evasão fiscal e elevados níveis de corrupção;
  • Maioria dos empréstimos ao Estado foram feitos em dólares Americanos, o que fez com que cada vez fossem mais difíceis de pagar devido à constante depreciação do peso argentino.

Transição para os anos 90

Nos anos seguintes, o peso Argentino (doravante peso) sofreu terríveis subidas de inflação (chegou a subir 200% num mês) e em 1991, uma das formas que o Banco Central Argentino arranjou para estabilizar a própria moeda, passou por fixar o peso em 1 dólar Americano (doravante dólar). Esta taxa fixa fez com que se cambiasse diretamente dólares por pesos, estando as duas moedas em circulação pela Argentina. As caixas multibanco solicitavam tanto dólares como pesos e os bancos faziam empréstimos em ambas as moedas. Esta medida conseguiu reduzir o problema da inflação, que em 1990 era de 1300%, para 84% em 1991. Em 1993 era menor que 10% e, durante poucos anos, chegou-se mesmo a ter crescimento económico e a confiança na Argentina voltou a subir. A criação da Mercosur em 1991 também contribuiu para que as trocas comerciais entre países da América do Sul crescessem (especialmente com o vizinho Brasil). Houve um extenso programa de privatizações e de reformas estruturais no mercado de trabalho. Estas decisões de liberalização do mercado na Argentina foram implementadas sobre a supervisão do IMF (International Monetary Fund - Fundo Monetário Internacional) e do World Bank (Banco Mundial).


Os bons indicadores iniciais mascaravam um problema

Com o dólar a valorizar nos anos 90, fez com que, por associação, o peso também valorizasse, tendo um grande impacto nas exportações argentinas. Com uma moeda mais forte, as importações aumentaram fazendo com que a indústria argentina fosse lentamente perdendo protagonismo. Não esquecer que a Argentina exporta maioritariamente para os países Sul Americanos e Europeus - países cujas moedas na altura perdiam terreno face ao dólar. Isto fez com que o estado argentino tivesse que aumentar a necessidade de emitir mais dívida pública o que fez com que o déficit continuasse a subir. Neste período o desemprego voltou a aumentar tendo chegado a atingir os 18%.

Crise voltou no final dos anos 90

Por volta de 1999 os dados económicos da Argentina foram-se agravando, e como tal, consequências de natureza especulativa no mercado foram prejudicando ainda mais as finanças argentinas.
- "Arranjas-me uns trocos?"
Para combater a crise, o IMF “recomendou” que se efetuassem cortes drásticos na despesa do Estado. (Hum, onde é que já vimos isto?...) Estes cortes afetaram penosamente os ordenados e pensões dos funcionários públicos (e não só), desencadeando, obviamente, um aumento insustentável de subsídios de desemprego.
Não menos importante foi o aconselhamento desta entidade para que se mantivesse o peso argentino fixado no dólar. Convém não ignorar a a extensão das privatizações das boas empresas públicas para que se pudesse encurtar a dívida soberana. Traduzindo por miúdos – alienação dos dividendos das empresas públicas por investidores estrangeiros.

Quando o problema financeiro passa a problema social…

Naturalmente, os argentinos começaram a trocar os seus pesos por dólares, pois a descrença na sua economia ia aumentando. Para combater esta tendência, o governo limitou os levantamentos a 250US$ por mês e congelou as contas pessoais.

Com os preços a subirem, a crescente incerteza no emprego, o limitado acesso a dinheiro e uma subida na taxa de habitantes em condições de pobreza extrema, fez com que o povo ficasse cada vez mais esmagado e com reduzida margem de manobra. Como esperado, com o agravar da crise económico-financeira, os motins nas ruas de Buenos Aires foram ganhando dimensão.


No dia 19 de Dezembro (2001), os protestos contra o governo tornaram-se violentos e viraram motins;
Confrontos entre locais e polícia agravaram e lojas começaram a ser pilhadas;
Confrontos entre os que pilhavam e os respectivos donos das lojas ceifaram algumas dezenas de vidas. Nesse mesmo dia, estado de emergência foi declarado pelo presidente.

Helicóptero maravilha salva o dia

No dia 20 de Dezembro de 2001, aquilo que tinha começado como um protesto de desempregados e de militantes de partidos de esquerda, estendeu-se à classe média, o que ajudou a tornar a situação insustentável para o presidente. Numa tentativa de apaziguamento, o presidente argentino, Fernando de la Rua, chegou a demitir o ministro da Economia, mas tal demonstrou ser infrutífero pois os protestos não diminuíram. Ao presidente só restou uma solução - abandonar o cargo. Tal tarefa não foi fácil, pois o presidente demissionário após ter entregue a sua demissão ao Congresso, viu-se obrigado a evacuar da residência presidencial, a Casa Rosada, num simpático helicóptero para evitar consequências físicas...

Pergunto-me: Como terá sido, 5 dias depois, o Natal para milhões de crianças argentinas?...

II Parte: Helicóptero avistado no Equador (em breve)

nota: Não discuti os anos subsequentes propositadamente pois o objectivo era escrever sobre o que antecedeu a revolução de 2011. A queda abrupta do PIB em 2002, a expulsão do FMI da Argentina, as medidas de Nestor Kirchner e o respectivo crescimento acentuado do PIB argentino nos últimos anos darão um bom artigo para o futuro.


Fontes:
Wikipedia
The Economist
UCATLAS
IMF
FPC

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